domingo, 11 de abril de 2010

Como compreender o incompreensível?

Um 'furacão' passou pelo Rio esta semana. Trouxe consigo a tragédia. O caos se instalou e as belas paisagens presentes no imaginário coletivo deram lugar a imagens de destruição. Quase cenários de guerra. A matemática foi dura: contabilizar mortos e feridos. O português mais ainda: tentar transmitir em palavras o sentimento predominante. A indescritível dor de quem já não tinha nada, mas perdeu tudo: a família.

Como os super-heróis, eu tenho uma capa protetora. Um campo magnético que utilizo sempre que necessário para trabalhar sem me envolver. Manter uma distância segura para tentar, minimamente, preservar o equilíbrio emocional. Minha fama de durona já virou lenda. Alguns chegam a dizer que sou fria. Pura bobagem. Na maioria das vezes, não demonstro. Mas sinto tudo. Sinto sempre.

Dessa vez, foi pior. Minha capa super-poderosa rasgou: deixou meu peito à mostra. O campo magnético enfraqueceu e eu - que já estava debilitada por outras razões da vida - desmoronei. Junto com os morros.

Virei madrugadas. Trabalhei 14 horas por dia. Minha roupa custou a secar: chuva misturada ao suor. Momentos de desafio e vitória na profissão. No entanto, os elogios construídos a partir da tristeza alheia não soaram tão bem quanto eu esperava. É, ao contrário do que a maioria pensa, eu não passo de manteiga derretida. Ou, como minha mãe diria, maria-mole.

Cheguei ao morro do Bumba, em Niterói, pouco tempo depois do desastre. A avalanche, o desespero, a corrida contra o tempo dos bombeiros nunca mais vão sair da minha cabeça. O barro das botas dá pra tirar, mas meu pesar nunca será esquecido.

O mundo sempre se encarrega de mostrar o quanto a vida e as relações humanas são preciosas e, ao mesmo tempo, frágeis. Às vezes, a gente esquece que tudo passa. E que o fim - ainda que temporário - pode ser agora.

Eu podia passar aqui e fazer uma narrativa do que presenciei como fiz incontáveis vezes no ar. Mas aquilo tudo era superficial. Aqui não falo de fatos, mas da subjetividade dos acontecimentos. Ainda não consigo escrever como gostaria porque sequer pude assimilar, digerir o que houve. Talvez um dia eu seja capaz. Mas, por ora, prefiro assumir minha limitação.

Só o que consigo fazer é rezar para que essas almas descansem e para que quem ficou tenha força para suportar outros dias difíceis que ainda virão.

Sim, sinto muito.

Aliás, estou exausta... de sentir.

domingo, 4 de abril de 2010

A cor do mundo

Todos dizem que odeiam mentira. Verdade.
Todos preferem a verdade. Mentira.

Bonito, inteligente e esperto. Ele era um tipo que atraía as mulheres, como se exalasse aroma de chocolate. Mas todas as investidas eram em vão. Seu relacionamento, de 4 anos, aparentava ser sólido e, por isso, muito invejado. Ele amava a namorada. Não dizia que amava da boca para fora. Amava mesmo. Amava tanto e de uma maneira tão incomum que, ao descobrir as traições (sim, eram muitas), calou-se. Sofreu, sentiu-se humilhado, mas escolheu fingir que não sabia.

Pouco antes do Ano Novo, ela rompeu o relacionamento. O término coincidiu com uma viagem que eles haviam planejado há muito tempo. Um lugar paradisíaco. Com o rosto inchado e lavado de lágrimas, ele me contou a história. E suas palavras me deixaram perplexa.

- Ela não podia ter esperado para terminar tudo depois da viagem?
- De que adiantaria? Você sofreria do mesmo jeito - argumentei.
- Eu era tão feliz! - disse ele.
- Mas não era real - rebati.
- Não importa! Isso já me bastava - disparou.

O silêncio tomou conta da sala. Desconfortante. Há momentos em que o silêncio é ensurdecedor e insuportável. Ele preferia a ilusão à verdade. Diante dessa constatação, tudo o que pude fazer foi abraçá-lo.

Esta não foi a primeira vez que esse tipo de pensamento me choca. Já ouvi muitas vezes conselhos do tipo: "deixa pra lá". Pior: "Finge que não percebeu".

Deixar pra lá é uma arte. Uma habilidade de extrema relevância para o convívio em sociedade. É a maneira mais sábia de evitar conflitos desnecessários, aborrecimentos e, até mesmo, uma gastrite.

Mas nao dá para ignorar tudo o tempo todo. Há situações graves ou importantes em que algo precisa ser dito ou feito. Às vezes, é necessário se posicionar. Faz parte do jogo. A vida não é feita só de decisões fáceis, não é? Quem me dera que meu único impasse diário fosse: comer torta de limão ou brownie com sorvete?

Eu sempre me vejo entre sucumbir ao medo ou arriscar; calar ou falar; me manter em uma zona confortável de convivência ou me posicionar; dizer sim ou não. Por mais que eu odeie me indispor com as pessoas, aprender a dizer não é fundamental.

Uma grande amiga sempre diz que minha vida é pintada em cores fortes. Verdade. Eu carrego nas tintas tanto quanto vivo intensamente. Para mim, preto e branco só serve para as fotos: momentos estáticos eternizados.

Eu sei que isso não é o ideal. Colorir o mundo com tons suaves também é uma possibilidade. Talvez a melhor.

Enquanto não encontro uma nova paleta de cores, tento evitar os borrões de tinta. Procuro resolver com clareza meus impasses mais íntimos: decidindo entre a hora de deixar pra lá e o momento de enfrentar a situação. Nem sempre acerto.

Enquanto não encontro uma nova paleta de cores, cuido da minha gastrite.

Escolha
Apesar do medo
escolho a ousadia.
Ao conforto das algemas,
prefiro a dura liberdade.
Voo com meu par de asas tortas,
sem o tédio da comprovação.
Opto pela loucura, com um grão
de realidade: meu ímpeto explode o ponto,
arqueia a linha, traça contornos
para os romper.

Desculpem, mas devo dizer:
eu quero o delírio.

Lya Luft