domingo, 4 de abril de 2010

A cor do mundo

Todos dizem que odeiam mentira. Verdade.
Todos preferem a verdade. Mentira.

Bonito, inteligente e esperto. Ele era um tipo que atraía as mulheres, como se exalasse aroma de chocolate. Mas todas as investidas eram em vão. Seu relacionamento, de 4 anos, aparentava ser sólido e, por isso, muito invejado. Ele amava a namorada. Não dizia que amava da boca para fora. Amava mesmo. Amava tanto e de uma maneira tão incomum que, ao descobrir as traições (sim, eram muitas), calou-se. Sofreu, sentiu-se humilhado, mas escolheu fingir que não sabia.

Pouco antes do Ano Novo, ela rompeu o relacionamento. O término coincidiu com uma viagem que eles haviam planejado há muito tempo. Um lugar paradisíaco. Com o rosto inchado e lavado de lágrimas, ele me contou a história. E suas palavras me deixaram perplexa.

- Ela não podia ter esperado para terminar tudo depois da viagem?
- De que adiantaria? Você sofreria do mesmo jeito - argumentei.
- Eu era tão feliz! - disse ele.
- Mas não era real - rebati.
- Não importa! Isso já me bastava - disparou.

O silêncio tomou conta da sala. Desconfortante. Há momentos em que o silêncio é ensurdecedor e insuportável. Ele preferia a ilusão à verdade. Diante dessa constatação, tudo o que pude fazer foi abraçá-lo.

Esta não foi a primeira vez que esse tipo de pensamento me choca. Já ouvi muitas vezes conselhos do tipo: "deixa pra lá". Pior: "Finge que não percebeu".

Deixar pra lá é uma arte. Uma habilidade de extrema relevância para o convívio em sociedade. É a maneira mais sábia de evitar conflitos desnecessários, aborrecimentos e, até mesmo, uma gastrite.

Mas nao dá para ignorar tudo o tempo todo. Há situações graves ou importantes em que algo precisa ser dito ou feito. Às vezes, é necessário se posicionar. Faz parte do jogo. A vida não é feita só de decisões fáceis, não é? Quem me dera que meu único impasse diário fosse: comer torta de limão ou brownie com sorvete?

Eu sempre me vejo entre sucumbir ao medo ou arriscar; calar ou falar; me manter em uma zona confortável de convivência ou me posicionar; dizer sim ou não. Por mais que eu odeie me indispor com as pessoas, aprender a dizer não é fundamental.

Uma grande amiga sempre diz que minha vida é pintada em cores fortes. Verdade. Eu carrego nas tintas tanto quanto vivo intensamente. Para mim, preto e branco só serve para as fotos: momentos estáticos eternizados.

Eu sei que isso não é o ideal. Colorir o mundo com tons suaves também é uma possibilidade. Talvez a melhor.

Enquanto não encontro uma nova paleta de cores, tento evitar os borrões de tinta. Procuro resolver com clareza meus impasses mais íntimos: decidindo entre a hora de deixar pra lá e o momento de enfrentar a situação. Nem sempre acerto.

Enquanto não encontro uma nova paleta de cores, cuido da minha gastrite.

Escolha
Apesar do medo
escolho a ousadia.
Ao conforto das algemas,
prefiro a dura liberdade.
Voo com meu par de asas tortas,
sem o tédio da comprovação.
Opto pela loucura, com um grão
de realidade: meu ímpeto explode o ponto,
arqueia a linha, traça contornos
para os romper.

Desculpem, mas devo dizer:
eu quero o delírio.

Lya Luft

Um comentário:

  1. Bela reflexão, Priscilla.
    E fechou com chave de ouro com o poema de Lya Luft, sempre maravilhosa.
    Adorei!
    Bom voltar e rever o bom texto de sempre.
    Beijo!

    F.M.

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