quarta-feira, 26 de agosto de 2009

As voltas do tempo

De mente confusa e coração turbulento, Bianca nunca fora dada a amores. Seu espírito sedutor a levara a falsas paixões, tão intensas quanto fugazes. Acreditara na liberdade e pensara a estar alcançando em plenitude não permitindo a si mesma envolver-se com um homem. Seguia fielmente seu paradigma. Mas, isto foi antes. Antes de seus caminhos se cruzarem com os de Henrique.

Com uma combinação inusitada de doçura e força, Henrique rompeu as defesas de Bianca logo no primeiro olhar. No primeiro sorriso. No primeiro beijo. Na primeira noite. Ela não podia crer que isso fosse possível e pensava ter tudo sob controle. 'Em breve isso terá terminado' - dizia a si mesma. Estava enganada. Os dias passaram e, depois, os meses. A cada fração de segundo ao lado de Henrique, seu corpo era tomado por um turbilhão de sensações.

Ardia em paixão e já sentia o cheiro do amor. O pânico surgiu. Medo de perder Henrique. Medo, principalmente, de perder a si mesma e sua tão adorada liberdade. Mantendo a racionalidade - traço determinante de sua personalidade - Bianca tomou uma atitude intempestiva: afastar-se de Henrique. Não teve dúvidas e o deixou, acreditando ser uma decisão acertada e tendo em mente que um suposto erro poderia ser reparado. Afinal, voltar atrás é sempre uma possibilidade.

Bianca mergulhou novamente em seus 'amores' efêmeros e superficiais. Mas, nenhum podia ocupar o vazio deixado por ele. Sua procura era incessante e sem sucesso. Na verdade, nem ela mesma sabia o que procurava. Mas, sabia que não encontrava Henrique. Os dias passaram, depois, os meses.

Em um dia frio, acordou ao lado de um homem. Olhou para o seu rosto e só o que conseguia sentir era 'estranheza'. Viu os pingos caírem na janela. Lembrou do beijo de Henrique com gosto de chuva. Na ocasião, não fugiram da tempestade. Nem adiantaria, ela estava dentro deles. Não correram, ficaram. Se molharam, se olharam, se sentiram. As lembranças quase permitiam que Bianca tivesse a presença de Henrique. A jovem percebeu em um instante o que deixara para trás. O motivo? Covardia.

Dois anos depois, ela sentava para escrever-lhe uma carta. Queria saber notícias de Henrique. Saber ao menos onde ele estava para tentar reparar o que (agora) julgava ser um erro, de fato. Tinha medo de que ele não a compreendesse, sem saber que - durante esse tempo - Henrique dizia em silêncio para si mesmo: "volte".

"Meu amado Henrique,

Tantas noites passaram sem que eu admitisse o quanto o calor do seu corpo me faz falta e como minha alma parece faltar um pedaço: colcha de retalho que não pode ser remendada. (...) Não pedirei desculpas. Digo apenas que sempre há tempo para mudar. E o meu tempo chegou.

Vou reencontrá-lo.
Vou amá-lo, sem vergonha.

Espere por mim".


Depois de ler a última frase, Rita dobrou o papel e o colocou novamente no envelope endereçado a seu irmão. Com aperto no peito, não pôde conter as lágrimas. O sentimento era de pesar pelo amor que Henrique não tinha conseguido viver e jamais viveria. Era tarde. Nem sempre dá pra voltar atrás.

Nenhum comentário:

Postar um comentário