sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A política dos 'limpinhos'


Pizzaria Guanabara, Leblon, 23h30. Estamos em seis amigos, quatro deles importados do coração financeiro do país via ponte área. Escolhemos uma mesa na varanda para observar a movimentação do bairro (cheio de Marias e Pedrinhos ligando a todo momento!). Na mesa atrás de nós, uma pessoa fumava e, de cara, já causou indignação em um dos nossos amigos visitantes. “O que é isso? O cara tá fumando embaixo do toldo? Não pode!”, disparou. Minha primeira reação foi pensar: “Poxa, mas a gente tá quase na rua, né? Não é tão grave assim!”. Inconformado, o rapaz questionou: “Aqui não tem a lei contra o fumo não? Em São Paulo, o negócio é sério!”. Uma amiga e eu – as únicas cariocas na mesa – respondemos: “tem mais ou menos, mas falta fiscalização”. Típica resposta de brasileiro. A lei vale mais ou menos, até certo ponto, depende do referencial, das condições normais de temperatura e pressão, sabe como é?

Depois disso, o assunto mudou várias vezes: trabalho, amizades, planos para o dia seguinte e o grande tema da noite: os homens devem ou não pagar a conta? Esse foi um debate intenso e muito interessante, mas fica pra outro post. A questão é que - como de costume - alguém solta uma frase e eu viajo nela por horas sem ponto de parada (quase o Fantástico Mundo de Bob, lembra deste desenho?). A indignação do meu amigo em relação ao fumante ficou na minha cabeça. Tive até pena do cidadão. Ele estava em um local praticamente aberto. Havia apenas um toldo sobre a cabeça dele. Cá entre nós, será que o toldo faz assim tanta diferença?

A lei antifumo bane o uso de cigarro e derivados de tabaco em ambiente de uso coletivo – público ou privado – em todo o estado de São Paulo. A lei não prevê punição ao fumante infrator, mas os estabelecimentos podem ser multados ou até interditados pelos órgãos de Vigilância Sanitária. A medida provocou um clima de controle social nos ambientes coletivos. De um lado, pessoas dispostas a denunciar qualquer ‘desvio de conduta’. De outro, as que têm medo de serem denunciadas e passarem por constragimento. Com isso, desde que a lei entrou em vigor, com fiscalização rigorosa, os fumantes se tornaram alvo de duras críticas e olhares atravessados, vistos quase como cidadãos de terceira categoria. Já que os termos indianos estão na moda por causa da novela-fenômeno, que tal classificar os fumantes como ‘dalits’? Dentro da postura higienista da lei, a adicção à nicotina faria dos fumantes criaturas impuras. Isso é muito louco! Basta pensarmos que os Estados – inclusive o brasileiro – até pouco tempo não apenas deixavam de se posicionar em relação às mortes provocadas pelo fumo como apoiavam as indústrias tabagistas. Quem não se lembra das propagandas milionárias recheadas de gente bonita e com muito glamour? Tudo para incentivar o consumo de um produto que é taxado com impostos altíssimos.

Não se trata de defender o fumo em ambientes coletivos. Isso seria um desrespeito com aqueles que não querem ser incomodados pela ‘fumacinha do mal’. A justificativa é plausível: o fumo passivo é a terceira causa de morte evitável no mundo. O problema da lei, na minha opinião, é proibir o fumo também em ambientes segregados. Nenhum estabelecimento comercial pode ter espaço para fumantes. Ora, se existe um espaço fechado destinado a fumantes, todos que estiverem ali são, obviamente, ativos, ou seja, não há fumo passivo neste local. Logo, não vejo motivo para proibir o fumo em ambientes segregados. Ah, esqueci! A justificativa do governo é que se pretende através da lei promover uma mudança de comportamento para salvar vidas. Mas, não há comprovação empírica de que a repressão cure adicção. Ao contrário.

O fumo deveria ser tratado como os demais problemas de saúde pública por meio da conscientização do males provocados pelo cigarro e da oferta de tratamento para quem desejar abandonar o vício. Aquela campanha que estampa fotos chocantes (um homem com disfunção erétil, outro traqueostomizado, dentes podres, etc.) nos maços de cigarro, por exemplo, é sensacional! Muito elogiada até pelos fumantes. Acesso à informação é o mínimo que se espera num estado democrático de direito. Mas, as autoridades decidiram que podem interferir na saúde dos indivíduos, o que me soa uma arbitrariedade. Se o sujeito quer fumar, fumar e fumar até morrer é um direito que lhe cabe. A individualidade é um dos pilares do capitalismo e nós não fazemos parte da sociedade capitalista? Portanto, nenhum governo pode se apropriar da subjetividade de um indivíduo. Dizer o que pode ou não lhe dar prazer. Impor formas de se alcançar a felicidade. “Se você não fumar, será mais feliz”. Isso é inconcebível. Até porque não pode haver felicidade sem liberdade. O próximo passo seria criminalizar a nicotina? Pra gerar tráfico e violência? Não me parece um raciocínio sensato.

A obesidade também é uma epidemia mundial. Daqui a pouco, todos serão obrigados a fazer dieta e praticar exercícios físicos. As autoridades pretendem instituir por meio de leis que só os ‘limpinhos’ têm direitos? E os ‘sujinhos’ serão banidos? Estes vão embora (sabe Deus pra onde) e levam consigo as singularidades e excentricidades dos seres humanos. Acabam-se os prazeres, a liberdade, a felicidade. E tudo fica um tédio.

Antes que alguém se enfureça: eu não fumo, faço dieta e pratico exercícios todos os dias. Porque quero, não porque me foi imposto. Meu vício é o chocolate. Pois é, cada um com seus problemas!

5 comentários:

  1. Querida Priscilla,

    eu adorei o seu texto por dois motivos. Primeiro: você está escrevendo cada vez melhor. Segundo: o tema é importantíssimo, porque não é algo inocente. O princípio do fascismo de banimento, exclusão e intolerância - aquele fascismo que quase pôs a Europa e o mundo de cabeça pra baixo - está presente na questão como a sociedade trata o cigarro e os fumantes.

    O cigarro é vício. Vício é doença. Eu fumo. Mas fumar é prazeroso. E charmoso, também. Daria tudo para parar, mas quando vejo essas reações fascistas me dá vontade de dar baforadas de nicotina na cara dessas pessoas.

    Falando de São Paulo, pior do que fumar é o que vi na Vila Madalena há alguma semanas. Lá esses rapazes vão para o bar beber chope, falar mal de fumante e consultar laptops...

    Parabéns, minha querida. Pelo texto e pela coragem com que tratou o tema.

    Cláudio Renato

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  2. Esqueci de dizer: o blog está lindo...

    De muito bom gosto!!!!

    Azul da cor do mar!!!

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  3. Devo dizer que se proibirem os sujinhos, a Lapa acaba (o que não seria de todo ruim... hahahaha). Quanto à lei antifumo em SP... não sei pq, mas gosto cada vez mais dessa cidade!! ;-) hahahahaha bjs

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  4. Bem escrito e bom exemplo de tolerância e compreensão este seu texto. O Estado tem mesmo uma intervenção meio torta, que deveria ser feita de outra forma, já que o problema é caso de saúde pública.
    Fora isso, as pessoas estão ficando fóbicas, preconceituosas com essas medidas... Bjs!

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