quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Infinito momentâneo

Segunda-feira, 9h. Toca o despertador. Marina salta da cama apressada. Corre pra janela, abre a cortina e sente uma felicidade enorme em ver que - depois de dias de chuva - o sol apareceu. Apesar de seu signo ser influenciado pela lua, era o sol que regia seus humores. As pessoas costumavam dizer que ela tinha um brilho inexplicável e até estranho nos olhos. Quando essa observação era feita, ela ria. A firmeza de seu olhar, às vezes, assustava. Mas quem a conhecia um pouco mais via além. Via a ternura que ela guardava na alma. Aliás, Marina se divertia com os comentários a seu respeito, que costumavam se repetir. Achava graça também quando diziam que ela era duas pessoas diferentes: uma séria, outra sorrindo. O sorriso largo mudava completamente sua fisionomia: a deixava mais bonita. O fato é que, nos dias claros, a luminosidade do céu parecia invadir sua alma e fazê-la brilhar. Não porque fosse diferente das outras pessoas, mas porque sua alegria tornava-se contagiante.

Voltou pro quarto saltitando, com uma euforia quase infantil. Ele ainda dormia. Se aproximou devagar e beijou levemente os lábios dele. Gabriel abriu os olhos e retribuiu o beijo.

- Marina, pra que acordar tão cedo hoje? Você tá de folga. Volta pra cama!
- De jeito nenhum. Você já viu o sol? Levanta e vamos pra praia porque um dia lindo nos espera lá fora!
- Ah, eu quero dormir mais. Tá tão bom...
- Então tá, eu vou. Fica aí dormindo, perdendo tempo.

Ele achou graça da afirmação e retrucou.

- Porque você acha que dormir é perda de tempo? Dormir é bom.
- Ah, sei lá. O dia tá passando e eu vou ficar dormindo? Fico com a sensação que estou perdendo um pedacinho da minha vida...
- Essa sua vontade de viver é impressionante. É uma coisa linda! Mas, pô, vai com calma! Acho que é por isso que você tem insônia...
- Ah, que legal. Não sabia que você também era médico! Devia relatar seu diagnóstico ao Dr. Ricardo. Talvez ele se surpreenda com a sua descoberta e me receite algum remédio que faça efeito!
- Vai ficar debochando de mim?
- Vou sim!

Gargalhando, ela se despiu. Enquanto ele a observava com um sorriso tímido nos lábios, ela colocava o biquíni.
Repentinamente, ele levantou um questionamento (para ela impensável naquela hora da manhã).

- Você acha que o amor dura pra sempre?

Ela sentou e ficou em silêncio.

- O que foi?
- Tô pensando na resposta! Ah, todo mundo diz que o amor verdadeiro dura pra sempre. Mas minhas experiências me mostram o contrário...
- Tá, mas no que você acredita?
- Posso responder depois? Sabe o que é? Eu procuro não pensar sobre isso. Então, não tenho uma resposta pra te dar agora.
- É que eu fico pensando: se o amor acaba, é porque não era amor? Se o relacionamento acaba e o sentimento não acaba nunca, como é que se resolve? Melhor esquecer e perceber que nunca amou ou correr o risco de continuar amando e não esquecer nunca mais?
- Ai, que difícil! Sinceramente, não sei o que dizer...

Por um momento, uma sombra invadiu o semblante de Marina. Queria saber o que fazer com aquele ponto de interrogação.

- Quando eu for bem mais velha e já tiver vivido muito e descobrir essa resposta, vou te procurar onde você estiver só pra te contar, tá?

Achando a resposta dela engraçada, doce e ao mesmo tempo ingênua, Gabriel abriu um largo sorriso. Aquele sorriso era a calma de que ela tanto precisava.

Ele a puxou para a cama. Abraçado a Marina, cantarolou: “devagar, esquece o tempo lá de fora”. Ela continuou: “devagar, esqueça a rima que for cara”.

Enquanto ela cantava, ele se divertia com a ideia de que aquela resposta jamais viria. Simplesmente, porque não acreditava que ela existisse. Mas aquele instante infinito e sem pressa dos dois na cama valia mais do que qualquer resposta pronta.

5 comentários:

  1. Nossa, que profundo!! Já foi tema de um dos nossos papos... Será que alguém algum dia vai ter essa resposta? bjs

    ResponderExcluir
  2. Será que o amor é para sempre?
    Será que não existem infinitos momentâneos, que transformam sentimentos bons em amor por apenas um instante?
    Ou será que alguém te faz tanto bem (ou tanto mal)que marca sua vida como você imagina que o amor faria?
    Eu acredito tanto no amor, que não consigo acreditar em mais nada...
    Mas se um dia eu tiver essas respostas, te procuro onde vocês estiver para te contar.
    Adorei o post, amiga!

    ResponderExcluir
  3. Lindo texto!
    Já estou me acostumando com tamanha sensibilidade. Confesso que admiro a sensibilidade das mulheres na construção de um texto: seu universo complexo e charmoso causa uma afetação leve e apaziguante no leitor.
    Esse texto me afetou por algumas questões pessoais: Marina é o nome que gostaria de colocar numa filha, lindo nome, poético. E também sou regudo pela lua...um canceriano nato! rs
    Gostei mais uma vez...parabéns!
    Beijos!

    ResponderExcluir
  4. Olha, Pri: existe um poeta surrado chamado Vinicius de Moraes. Esse poeta surrado, usado, esse velho poeta cunhou um verso encardido de tanta repetição. Mas é genial. O amor é eterno enquanto dura.

    Beijo!

    CR

    ResponderExcluir
  5. E eu não sei, CR? Vinícius e Cecília estão sempre na cabeceira da minha cama. Os outros autores variam, mas estes sempre ficam um pouco mais.

    "Que não seja imortal,
    posto que é chama,
    mas que seja infinito
    enquanto dure"

    Marina ainda não sabe disso...

    ResponderExcluir